Museu da Ci�ncia - Universidade de Coimbra

A relação centenária entre o Brasil e a Universidade de Coimbra

Apontamentos do espólio do Museu da Ciência

Portugal e Brasil permanecem unidos há séculos em múltiplos quadrantes. Hoje dois países independentes, outrora uma única nação, mantêm importantes relações culturais cujo património histórico-científico merece a nossa melhor atenção.

Sendo vastíssimo, pluridisciplinar e rico o acervo do Brasil que integra as coleções do Museu da Ciência da Universidade de Coimbra, que este ano comemora 250 anos da sua fundação, torna-se difícil escolher exemplares representativos de cada área.

Cumprindo a regra de que ”menos é mais” constam apenas cinco peças (uma de Mineralogia, uma de Zoologia, uma de Botânica, duas de Antropologia), fruto da escolha pessoal de cada um dos curadores, a par da intenção de despertar a curiosidade e a vontade de conhecer mais.

Não só Ciência, mas muita História da Ciência e dos Homens emana da relação entre os dois países, Brasil e Portugal, sendo incontornável a figura e influência multifacetada de José Bonifácio Andrada e Silva.

Nascido em Santos em 1763, formado em Coimbra em Leis, Matemática e Filosofia e mais tarde aqui doutorado, foi o primeiro professor de Mineralogia e Metalurgia da Universidade mantendo-se o forno que utilizava para as experiências no Laboratório Chimico (Museu da Ciência).

No regresso ao Brasil em 1819 dá a sua última aula na Academia de Ciências de Lisboa e refere: ”Vou partir, porque vou ter de cuidar de outro império”. Numa carta a D. Pedro, exilado no Brasil, sugere que decida regressar a Portugal, ficando prisioneiro das Cortes, ou declare a independência, que se efetiva dia 07 de Setembro de 1822 com o famoso “grito” do Ipiranga.

Em sua homenagem a galeria da Mineralogia do Museu da Ciência tem o seu nome e o seu busto e o mineral Andradite, que ora aqui se expõe.

 

Andradite

A andradite é um mineral composto por silicato de cálcio e ferro, que ocorre na forma de cristais isolados, agregados ou grãos soltos. Pode ser encontrado em rochas ígneas, de profundidade, e em rochas metamórficas, como os xistos. O seu nome, atribuído em 1868, constitui uma homenagem ao mineralogista brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), professor de Metalurgia da Universidade de Coimbra no início do século XIX, que lutou pela liberdade e independência dos povos. Andrada e Silva participou na resistência durante as invasões francesas em Portugal e foi figura central do processo de independência no Brasil.
E ao Reino Mineral segue-se um exemplar do Reino Animal, a coleção maioritária do Museu da Ciência, e que agora nos transporta para as terras tropicais, a arara-canindé.

Andradite
Gilgit, Paquistão
MIN.SIL.001143

Arara-canindé

A arara-canindé é uma das espécies mais emblemáticas do cerrado brasileiro e é importante para muitas comunidades indígenas. A sua distribuição geográfica vai desde a América Central ao Brasil, Bolívia e Paraguai. Para além do seu papel cultural, a arara-canindé desempenha uma função essencial nas relações interespecíficas do seu habitat, com hábitos alimentares que potenciam a dispersão das sementes de várias espécies vegetais. Destas, algumas apresentam casca muito grossa, que apenas a força do seu bico consegue abrir e caem no chão os frutos abertos e semi-consumidos, ficando disponíveis para outras espécies de aves e mamíferos, que de outra forma não conseguiriam, pela cascas excessivamente duras e por estarem fora de alcance. Quando se forma um casal destas araras, permanecem juntos para sempre.
Fatos da vida animal destes territórios, onde também múltiplas culturas, histórias do Homem e sua ligação à Natureza, muito fértil e diversificada, se podem contar.    
Assim, materializando o exotismo de uma das mais importantes coleções etnográficas do século XVIII, destacamos dois artefactos recolhidos por Alexandre Rodrigues Ferreira, discípulo de Vandelli, o diretor fundador do Museu em 1772.
Nessa designada Viagem Philosophica ao Brasil (1783-1792), o percurso de Ferreira e comitiva incluiu as capitanias do Pará, Rio Negro, Mato Grosso e Cuyabá.

Arara-canindé
Ara ararauna
(Linnaeus, 1758) Brasil.
Oferta de José Vicente Barbosa du Bocage (séc. XIX)

ZOO.0003650

Cuia

Uma cuia, de uso doméstico, feita pelas mulheres do Baixo Amazonas que transformam os frutos da Cuieira (Crescentia cujete) em recipientes para o consumo de alimentos (sólidos e líquidos), ainda que tenham também outras funções, como a recolha de água dos rios, tomar banho, retirar água das canoas… Sobre a aplicação de verniz negro, que lhe confere impermeabilidade e que é uma constante em todas as cuias, destaca-se uma decoração colorida feita com tintas vegetais, não com motivos geométricos tão característicos da tradição indígena, mas antes com ornamentos assentes numa gramática europeia e asiática que nos remete para as inevitáveis transferências culturais ocorridas em várias direções.

Cuia
Brasil
Coleta de Alexandre Rodrigues Ferreira (séc. XVIII)
ANT.Br.194

Prancheta de paricá

Uma prancheta de paricá, usada pelos índios para aspirar paricá, substância alucinógena extraída das sementes da árvore Paricá (Schizolobium amazonicum), consumida essencialmente em contextos cerimoniais para potenciar a comunicação com os espíritos. A admiração dos europeus pelo trabalho artístico dos indígenas, especialmente na arte de entalhar em madeira, associada à curiosidade que tais rituais despertavam, terá certamente contribuído para a recolha deste artefacto que espelha uma cultura então desconhecida.
E são estas e outras viagens, durante séculos, promotoras de conhecimento da Natureza e da cultura dos Povos e do desenvolvimento e equilíbrio social.
No “novo mundo” e no encontro e uso dos recursos naturais, Homens e Plantas estiveram, e estão, incondicionalmente relacionados, dado que os primeiros delas dependem, desde as necessidades primárias, pela alimentação.
Nesta perspetiva, funcionam as plantas como pilares da civilização pela fixação do Homem e a introdução da agricultura, determinante para a evolução cultural, pelos recursos alimentares, para têxteis, corantes e fármacos e o seu uso, ou seja, a etnobotânica. Esta disciplina, se em 1895 se considerava o universo das plantas utilizadas pelos povos primitivo e aborígenes, hoje contempla a forma como os humanos incorporam as plantas nas suas tradições culturais.
A exemplo, simples e do dia-a-dia, fica o “rei dos frutos”, de uma planta brasileira, hoje apreciada em todo o mundo, e uma adivinha: tem escamas e não é peixe, tem coroa e não é rei, tem espada e não é soldado, tem olho e não vê, tem pé e não anda. É o ananaseiro.

Prancheta de paricá
Brasil
Coleta de Alexandre Rodrigues Ferreira (séc. XVIII)
ANT.Br.39

Modelo didático de ananás

Da Família Bromeliaceae, Ananas comosus (L.) Merr.  é uma planta herbácea de origem brasileira, já muito difundida na América quando chegaram os Portugueses, que a levaram para África e para o Oriente. Na passagem pela ilha de Santa Helena foi aí introduzida em 1505 e em meados do séc. XIX, nos Açores, particularmente na ilha de S. Miguel onde até hoje é cultivada. A planta produz um fruto por estação, com reconhecidas propriedades medicinais e nutricionais, formado a partir da inflorescência (um rácimo). Cada flor, autoestéril e completa, com 3 sépalas carnudas, 3 pétalas e 6 estames, origina um pequeno fruto, cujo conjunto forma o ananás; por polinização cruzada pode ocorrer fecundação e a formação das sementes, redondas, pequenas e muito duras. A planta propaga-se por reprodução vegetativa. O modelo didático representa o ananás, fruto (infrutescência-conjunto de frutos) que sob o ponto de vista botânico se designa sorose.

Modelo didático de ananás
Ananas comosus
(L.) Merr.
Les Fils D'Émile Deyrolle, Paris
BOT.01209

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Cinco pinceladas num quadro comemorativo da ligação Brasil-Portugal, relativo a um património museológico, multidisciplinar, material e imaterial. Este espólio foi recolhido e resguardado para além dos 200 anos da independência do Brasil, que hoje se celebram, e que a Universidade de Coimbra continua a honrar, a disponibilizar e a promover.


Mais informações

Estes objetos encontram-se em exibição no espaço Student Hub, no edifício da antiga Faculdade de Medicina, no pólo I da Universidade.