Kassandra
Perdida entre tempos, mitos, histórias e geografias políticas começa esta Kassandra, reescrita libérrima do mito da princesa troiana tida como louca, em cujas visões e profecias ninguém nunca acreditou e que viu, cedo demais para si própria, a destruição da sua cidade pelo exército grego. “A história é o que quiseram dois ou três fulanos que ela fosse. E a dos mitos, então?! Balelas!” Tempos e geografias que pouco a pouco se vão concretizando: Segunda Grande Guerra, o crime lesa-humanidade que foram os postos de conforto nas cidades ocupadas pelo exército nipónico. Kassandra (a personagem), transforma-se na vítima feminina de todas as guerras, mas também de todas as paixões. A jovem prostituída que, ao mando da sua máquina de costura, vai graficamente trazendo à memória do público os insólitos mais desumanos de uma e outra guerra. A princesa que nunca quis sê-lo assombrada por uma ideia de amor romântico de que não logra escapar. Mas Kassandra (a peça) é também um espetáculo sobre o fazer teatral. Um texto que explora as memórias e as técnicas da dramaturgia que lhe deu a vida, e que faz da loucura profética da protagonista o alicerce de um enredo meta-teatral e que explora os limites do género do monólogo. Um espetáculo simultaneamente lírico e cru, violento e ternurento, sobre uma de tantas memórias históricas que, hoje mais que nunca, há que lembrar e reparar.